Olá amigos!
Hoje falaremos sobre a cantiga de escárnio e maldizer.
Sempre fazemos muita confusão para distinguir corretamente uma da outra. Mas hoje, iremos esclarecer de uma forma simples e objetiva as funções e diferenças de cada uma.
Então, vem com a gente! 😜
Cantiga de Escárnio
Nas
cantigas de Escárnio o nome da pessoa satirizada não aparecia. As sátiras eram
feitas de forma indireta, utilizando-se de duplos sentidos.A cantiga de escárnio é aquela em que a
sátira se constrói indiretamente, por meio da ironia e do sarcasmo, usando
“palavras cobertas, que haja dois entendimentos para lhe lo não entenderem”.
(Massaud, (1988, p.23).
Abaixo, vemos uma cantiga de João Garcia
de Guilhade:
“Ai
dona fea, fostes-vos queixar
que
vos nunca louv'en[o] meu cantar;
mais
ora quero fazer um cantar
em
que vos loarei todavia;
e
vedes como vos quero loar:
dona
fea, velha e sandia!
Dona fea, se Deus mi perdom,
pois
havedes [a]tam gram coraçom
que
vos eu loe, em esta razom
vos
quero já loar todavia;
e
vedes qual será a loaçom:
dona
fea, velha e sandia!
Dona
fea, nunca vos eu loei
em
meu trobar, pero muito trobei;
mais
ora já um bom cantar farei
em
que vos loarei todavia;
e
direi-vos como vos loarei:
dona
fea, velha e sandia!”
(João Garcia de Guilhade).
Cantiga de Maldizer
A cantiga de Maldizer contém sátiras diretas, sem se
preocupar com a identidade revelada, cheias de agressões verbais e um conteúdo
“pobre”.
A sátira é feita diretamente, com agressividade, “mais descobertamente”, com
“palavras que querem dizer mal e não haverão outro entendimento senão aquele
que querem dizer claramente”, como ensina a mesma Poética Fragmentária. (Moisés, Massaud. A Literatura Portuguesa,
São paulo, 1988, p.23).
Vejamos abaixo uma cantiga de Fernão Velho:
“Maria
Pérez se maenfestou
noutro
dia, ca por [mui] pecador
se
sentiu, e log'a Nostro Senhor
pormeteu,
polo mal em que andou,
que
tevess'um clérig'a seu poder,
polos
pecados que lhi faz fazer
o
Demo, com que x’ela sempr’andou.
Maenfestou-se
ca diz que s'achou
pecador
muit', e por en rogador
foi
log'a Deus, ca teve por melhor
de
guardar a El ca o que a guardou;
e
mentre viva, diz que quer teer
um
clérigo com que se defender
possa
do Demo, que sempre guardou.
E
pois que bem seus pecados catou,
de
sa mort'houv'ela gram pavor
e
d'esmolnar houv'ela gram sabor;
e
log'entom um clérigo filhou
e
deu-lh'a cama em que sol jazer,
e
diz que o terrá, mentre viver;
e
est'afã todo por Deus filhou.
E
pois que s'este preito começou
antr'eles
ambos houve grand'amor
antr'ela
sempr'[e] o Demo maior,
atá
que se Balteira confessou;
mais,
pois que vio o clérigo caer
antr'eles
ambos, houv'i a perder
o
Demo, des que s'ela confessou.”
(Fernão
Velho)
Como exemplo da cantiga de Maldizer, faremos uso de uma músicas dos tempos atuais que se enquadrariam perfeitamente ao tema:
É uma música de Juca Chaves, considerado um autor atual de cantigas de escárnio. Notem que ele usa o mesmo padrão da música de Joan Garcia de Guilhade ("Dona fea, velha e sandia!"), que também é criticar uma mulher específica, sem citar nomes e encher a letra de indiretas e ironias.
Atraso Ou Solução
Juca Chaves
Já meia hora atrasada
o que em ti é natural.
Até pareces, querida,
com os nossos trens da central
isto ainda acaba mal.
Não brinques assim comigo,
com este teu vem ou não vem,
não faças de estação meu coração,
nem faças o teu de trem, tá bem?
Ai, ai, amor, ai que dor
eu sinto o ar esperar
até a chuva já veio,
mas não vens, ai, por que?
quem me dera, minha amada
se tu fostes viatura
cá da nossa prefeitura
pois te dava uma pedrada
muito bem dada.
Para finalizar, vejamos a música atual que se enquadraria com a cantiga de escárnio.
"Uma Arlinda Mulher", dos Mamonas Assassinas, poderia ser considerada uma canção de escárnio. A música faz uma crítica a uma pessoa, não cita seu nome e utiliza a ironia e indiretas ao longo da letra. Em alguns pontos ela pode ser considerada uma Canção de Maldizer, já que utiliza uma linguagem um tanto vulgar.
Uma Arlinda Mulher
Mamonas Assassinas
Te encontrei toda remelenta e estronchada
Num bar entregue às bebida
Te cortei os cabelos do sovaco e as unhas do pé
te chamei de querida
Te ensinei todos os auto-reverse da vida
e o movimento de translação que faz a terra girar
Te falei que o importante é competir
mas te mato de pancada se você não ganhar
Você foi agora a coisa mais importante
que já me aconteceu neste momento,
em toda a minha vida
Um paradoxo do pretérito imperfeito,
complexo com a teoria da relatividade
Num momento crucial um sábio soube saber
que o sabiá sabia assobiar
E quem amafagafar os mafagafinhos
bom amafagafigador será
Te falei que os pediatra é o doutor
responsável pela saúde dos pé
O zoista cuida dos zóio e os oculista
Deus me livre nunca vão mexer no meu
Pois prá mim você é uma besta mitológica
com cabelo pixaim parecida com a Medusa
Eu disse isso prá rimar
com a soma dos quadrado dos catetos
é igual à porra da hipotenusa
Você foi agora a coisa mais importante
que aconteceu neste momento,
até hoje em toda a minha vida
Um paradoxo do pretérito imperfeito,
complexo com a teoria da relatividade
Num momento crucial um sábio soube saber
que o sabiá sabia assobiar
E quem amafagar os Mafagafinhos
bom amafagafinhador será
Eu fundei a Associação Internacional
de Proteção às Borboletas do Afeganistão
Te provei por B mais C que a menina
dos teus zóio não tem menstruação
Dar um prato de trigo prá dois tigres e
ver os bichos brigando é legal que só
Pois nos "tira e põe", deixa ficar da vida
sempre serei seu escravo-de-Jó
Logo agora que você estava quase entendendo
o que eu estou falando
a canção está acabando e o Creuzebek está
baixando alí o volume
e você não entende nada mesmo
por que quando você estiver em sua casa nesse momento
a música vai estar baixinha
e você não vai entender nada não sei nem por que eu estou falando esse monte de besteira
já que tudo isso é... porra, vamos parar com esse papo chato!
Vamos lá, eu já não estou aguentando mais
está doendo minha garganta
eu tenho que fazer alí gargarejo com vinagre
soltei um peido aquí dentro (caralho!)
está fedido o ambiente meus dedos estão dormentes
PelamordeDeus, parem com esta porra!
Postado por Ana Flávia.
Referências:
MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. São
Paulo: Cultrix, 1988, p.23.
http://cancoesdeescarnio.blogspot.com.br/2010_05_01_archive.html